segunda-feira, 8 de junho de 2009

Máscaras vestindo o vazio

Não podemos crer na total transparência dos seres; é necessário aceitar que os outros tenham segredos, regiões de solidão. A maior prova de amor será colocar-se a distância e aí não querer penetrar. - Disse um anjo, certa feita.
Entretanto, não conquistamos ainda nenhuma angelitude. É possível não querer penetrar, mantendo-se à distância, destas regiões de solidão? O egoísmo todo próprio do não querer sofrer, disfarçado de um querer bem a priori, não nos permite manter distância dali. E eis o mais assustador: nossa entrada nessa câmara de isolamento nos permite ver tudo – e vêmos justamente o nada. Eis 'os segredos' – não há nada ali. Ultrapassado o protocolo social, aquilo que seria apenas pro forma passa a ser cotidiano. Condicionamento em um processo inconsciente submetido às normas sociais. Não há nada no indivíduo contemporâneo que ultrapasse o condicionamento cultural. Massificação, latu sensu. Os ditos segredos são apenas anomalias, sob os olhos dessa mesma cultura, efeitos gerados pela estrutura cultural. História. Anomalias nem sempre. Às vezes, simples dissonâncias.
Nesse sentido, o pensamento isolado diante do vazio da massificação contemporânea, diante do bestial homogêneo, criador de previsíveis, obriga o discurso a vociferar uma reflexão meta-ética: é preciso questionar a ética contemporânea. É preciso questionar valores, costumes, é preciso questionar tudo aquilo que rege a coletividade e a faz ser assim, deste modo – uma paradoxal antinatureza. A própria impetração do dever-ser cultural tolhe e castra formas de ser, criando rupturas e as chamadas anomalias, dissonâncias: meras respostas naturais à estrutura social imposta.
Vítimas deste processo cultural, tais corpos, dóceis, e por isso impotentes no rompimento com seus modos de ser, impostos e não detectados em tempo hábil, na formação do ser, acabam por ser suprimidos e até mesmo enjaulados em uma forma de ser. - Não há como não ser, assim, deste jeito, tão somente 'certo' que não derroga espaço a outro certo jeito de ser. É a supressão do espírito, em suas infinitas formas de ser. Até que ponto certas relações sociais, frutos de uma cultura singular e estrita, por serem 'imperativas' impedem outras formas mui imperiosas de ser?Dizem que o poder de elevação do espírito, fundado no amor, não está na perenidade das relações que esse mantém com a alteridade. Esse é apenas papel coadjuvante, e por mais perene que seja, ainda é efêmero, face a esta própria perenidade. O condicionamento apaga. O poder de elevação do espírito está nos poros, que denunciam a onipotência da alma. Poros-janelas, que apresentam as outroras ditas insondáveis regiões do ser. É possível preencher vazios, reformando superfícies. Será que sua forma de ser, corrompe e castra outras diversas potenciais formas belas de ser?

Raphael Bortoli de Souza, em 09/03/2009

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