Quando a Araceli me convidou para participar desse congresso, falou daquele jeito dela que a maioria daqui conhece... Escolhe um tema pra falar. Passados dois minutos ela pergunta, e então já pensou???
- Mas Araceli, quando vai ser o congresso?
- Ela diz, em outubro
- Mas estamos em março.
- É , mas eu preciso disso logo, já. Quero tudo organizado.
- Mas, Anna, pensa sobre o que você gostaria de falar e manda por email, logo, assim, amanha....
-
Que maravilha, que pergunta analítica, sobre o que você gostaria de falar .
Novas configurações conjugais e narcisismo, ao escolher esse tema não havia me dado conta da encrenca na qual me enfiei, ou melhor, ele, o inconsciente me colocou. Me aprofundando no estudo do tema, percebi que a articulação entre o narcisismo freudiano e os relacionamentos em tempos de globalização, requeria audácia... requeria ler nas entrelinhas da psicanálise e dos relacionamentos amorosos de hoje. Me vi frente a duas opções; ou concordar com o que dizem, tanto a mídia quanto os atuais teóricos da psicanálise em relação ao assunto, ou descolar do discurso pronto e me propor a colocar o meu olhar sobre o assunto.
Falar algo de um olhar próprio sempre é assustador. Fiquei insegura, com receio
Pensei...
O ideal agora seria esquecer-se da psicanálise, ligar para um xama ou um espírita, , ou enfim a alguém que pudesse me trazer o espirito de Freud, e dessa maneira eu faria umas perguntinhas. Não, melhor, Freud em carne e osso, sentado na minha frente com seu cachimbo...
E Eu diria...
Freuddd, que honra, que alegria, que alivio...
Freud, você que tudo explica, poderia dizer , se é o amor, o fator psíquico predominante nos relacionamentos da globalização, ou é o narcisismo? Diga Freud, você sabe, os relacionamentos andam tão diferentes, olha a humanidade agradeceria sua explicação para essa zona, quer dizer, pros relacionamentos atuais... Mas, o meu Freud imaginário apenas diz... Fale mais sobre isso...
Ótimo pensei,que alivio, ele continua por aqui...Freud, esquece a analise, vou fazer uma pergunta baseada na sua teoria sobre o narcisismo, ... FREUD , sei que na sua opinião , todo ser humano tem a sua frente dois tipos de escolha de objeto, o tipo anaclítico e o tipo narcísico. No primeiro a criança escolhe como objeto sexual as pessoas encarregadas de sua alimentação, cuidados e proteção, em geral a mãe ou substitutos, na segunda forma , ela toma a si mesmo como objeto de amor. Esses dois tipos não se encontram puros e excludentes um do outro. Andam dizendo que na globalização é o tipo narcisista de escolha de objeto que predomina nos relacionamentos. . Freud, você acredita mesmo que o maldito narcisismo se infiltrou como soberano na relações contemporâneas? Esse mal falado por todas as religiões, produtor de infinitas neuroses no melhor dos casos? É A escolha de objeto do tipo narcísico que predomina no sujeito contemporâneo e consequentemente se reflete nos relacionamentos? Podemos dizer que a globalização mudou a constituição psíquica do sujeito? A sexualidade infantil mudou? Os cinco primeiros anos de vida deixaram de ser determinantes na vida adulta do sujeito? Ficamos todos presos na primeira etapa do narcisismo? Mas Freud apenas pergunta.... e você o que acha???
Peço pro xamã levar o Freud embora e trazer o Lacan...
Aparece o Lacan...
Ola monsieur Lacan, será que com um, umzinho só daqueles seus aforismos suas frases de efeito, como por ex.... O falo circula.
- A mulher não existe.
Lacan,o que você acha que acontece com a maneira que as pessoas se relacionam amorosamente hoje?
Ele abre a porta e diz... a sessão acabou.
- mas Lacan, faz só dois minutos que entrei.
- - A mulher não existe, e fecha a porta...
Pois é, talvez para que eu possa dizer algo, vou Ter que me sujeitar a castração de ser Anna Burg e não Freud ou Lacan...rs
Nesse trabalho me pauto no diálogo que venho estabelecendo com a teoria freudiana há mais de 20 anos e mais recentemente do dialogo com a teoria Lacaniana.
Einstein concluiu que Deus não joga dados com o universo e não encontrou na ciência uma resposta para suas inquietações como homem, como ser humano.
Freud, ao longo de seu trabalho colocou como resposta amar e produzir. Ora, não é essa tb. a resposta das religiões, da busca espiritual? Um dos temas mais recorrentes em todas as religiões trata da importância do amar a si mesmo e a seu próximo. A partir do conceito de Narcisimo desenvlovido por Freud em 1914 ,a psicanálise também recorre freqüentemente a essas duas maneiras de amar.
Sabemos que o grande vilão de todas as religiões é o narcisismo, o narcisismo do ponto de vista religioso é o caminho dos egoístas que vão para o inferno, ou que na próxima encarnação poderão vir reencarnados sob a forma de pedra ou no corpo de uma vaca. O narcisimo tb é o grande vilão dos teóricos psicanalíticos contemporâneos. Tanto os ultimas artigos psicanalíticos quanto os discursos religiosos acreditam que o narcisismo reina soberano como o grande malvado, como obstáculo para o desenvolvimento de relações menos dolorosas na era contemporânea.
Não pretendo articular aqui psicanálise e religião, apenas estou pontuando que seria impossível falar em novas configurações conjugais sem me referir ao amor.
Sim, porque ainda acredito que é o amor que prevalece na maneira que as pessoas tem se relacionado conjugalmente nesse época de globalização.
Freud percebeu na competência para amar a condição para um fim de análise. Para Freud amar seria a idealização do objeto da pulsão..
Já para Lacan :
Amar é dar o que não se tem para quem não quer. Lacan propõem um enigma. Entendo que ele diz que, quando amamos alguém, supomos estar oferecendo ao outro a completude, o nirvana, o paraíso. Mas a felicidade para o outro não é exatamente aquilo que você está oferecendo. Quer dizer, numa relacao a fantasia de cada um sobre o que seria a completude é muito pessoal.
Um relacionamento amoroso é uma viagem que cada um faz sozinho . Se pudessemos escolher uma imagem elucidadora do amor de Lacan acredito que seria uma quadra de tênis, dividida por um paredão de vidro, cada um joga com o paredão , mas pensa que esta jogando com o parceiro. No amor, parece que está se jogando com o outro, mas na verdade cada um joga com seus significantes.
Isto não quer dizer que não exista uma relação, mas amar para Lacan, é suportar a fantasia do outro. A relação explode quando a fantasia é desmistificada. Por ex, se ele quer a mãe e você não pode suportar essa fantasia, a relação começa a desintegrar.
Certamente este jogo amoroso, exige novas regras no mundo pós moderno.
Segundo Lacan:
-“A psicanálise não foi capaz de inventar uma nova neurose, uma nova perversão, talvez seja capaz de inventar um novo amor, que não seja voltado ao pai em ultima instancia, mas que sabendo dele se servir, possa ir além do chamado gozo fálico.”
Quem não souber o que é gozo fálico, pode fazer um curso de Lacan no NPP...
Existe no mundo contemporâneo quase uma proibição a suportar faltas e frustrações nos relacionamentos. Uma obsessão pela perfeição.
Pra que tanto shampoo que faz os cabelos esvoaçarem (como se não houvesse poluição no ar que deixa ele coladinho na cabeça,) se meu marido, ou namorado me amasse apesar do meu cabelo? Pra que tanto iogurte pra emagrecer, batom que deixa os lábios carnudos e margarina em pó etc... se fosse amado por algo além do meu corpo? E pra que tantos super carros, e super esportes e super músculos, tudo super , se eu fosse amado pelo que sou pelo tempo, pela construção conjunta... Mas como dizia Freud, somos seres do desejo e não da necessidade... Há um desejo que não pode ser negado, desejo central, identificatorio e movedor de pulsao de vida; o amor. E ele que esta perdidinho por ai nos corações proibidos pela mídia...pela média...
O homem de hoje, da era da globalização não é mais como na época de Freud, tampouco suas necessidades são as mesmas. O pensamento freudiano difundido popularmente é usado para dar justificativas a tudo, do casamento que se desfez, ao casamento que se fez, do amor bissexual , do amor homossexual, a falta de amor. Nada mais é aleatório, Frued explica tudo.
A evolução da psicanálise busca conseqüência para o que escapa ao sentido, para além do pai, para além do edipo, para além da lei.
A psicanálise lacaniana ensina que não há como não se responsabilizar pelo acaso e pela surpresa, ou seja, por mais que tudo seja explicado o acaso e a surpresa sempre estarão a espreita para desestabilizar a pretensa paz encontrada após tudo explicado. Diz Lacan, que a pessoa não é só o que escolhe, mas também o que lhe ocorre. Eu sou o meu acontecimento diz Lacan...
Em vez de buscar explicação você tem que assumir a responsabilidade sobre seus atos. O importante não é compreender, é se responsabilizar. Não interessa saber por que você casou com fulano, interessa é como você assume as conseqüências dos seus atos , seja permanecendo na relação ou saindo dela.
Se um dia a grande contribuição da psicanálise foi Freud explica, hoje mais do que nunca a preocupação do analista é apresentar ao analisando, a dor, a pedra de sua existência, diante da qual terá de inventar algo novo.
A psicanálise de hoje privilegia o Freud não explica, contariando assim as soluções totalitaristas e dando uma chance ao desejo e a invenção do novo.
E se há algo novo é o panorama das novas relações conjugais em tempo de globalização.
Usei o termo conjugal como forte sugestão de processo e dinâmica, de instituição em vias de formação, ao invés da solidez e da formalidade de termos mais consagrados como matrimonio e casamento que poderiam ser associados a um modelo tradicional de relação.
Se observarmos a paisagem desenhada ao nosso redor após o vendaval revolucionário dos anos 70, veremos que os relacionamentos conjugais apresentam-se mutáveis e movimentados. A antiga estabilidade da família nuclear parece ameaçada pelos casamentos desfeitos, os papeis masculinos e femininos foram radicalmente alterados homens e mulheres homossexuais reivindicam o casamento e adoção.
O amor já não goza do mito de eternidade. Observamos relacionamentos conjugais cada vez mais meteóricos na era
pós industrial.
O até que a morte os separe foi substituído pelo que seja feliz enquanto dure... Não estou querendo dizer que a formula antiga é melhor do que a atual...não há forma melhor ou pior para a psicanálise... Apenas a perplexidade...
Mas afinal de que sujeito estou falando, quem é o homem de hoje?
Vejamos um breve panorama de algumas atitudes pós modernas.
Na atualidade voce pode dizer qualquer coisa... menos falar que tem algum preconceito. Alias pode ate ser preso por isso... Pode também fazer qualquer coisa, só não pode fazer o que o outro quer que você faça. isso demonstraria que você não tem personalidade própria, que não está ocupado... e estar desocupado é absolutamente out nos tempos pós moderno. Contemplação e reflexão é coisa dos loucos, dar um tempo para olhar para os seus afetos, ou seja fazer uma analise é ainda considerado coisa para doido, ou para quem não da conta de sua própria vida...
Já , se você faz alguma coisa com sacrifício, sem estar com tesão, aí sim, algo está errado, procure um analista, dizem.. Tudo tem que vir espontaneamente como expressão de sua identidade, mesmo quando sua identidade é uma colcha de retalhos, como é na maioria das vezes é.Viver é urgente! Essa é uma das máximas, da mídia que cerca nossos ouvidos, olhos,
boca, enfim, todas as nossas pulsões. A vida precisa ser desfrutada, para isso é necessário que se possua tudo que for possível, de automóveis a pessoas.Tudo é mercadoria, portanto pode ser comprado e porque não descartado...
Se necessito de algo como atenção, amor, sexo proteção, se estou carente ...estando eu solteiro ou namorado, casado etc... isto é entendido por ai como motivo para ir buscar uma ajuda ... Afinal, eu deveria estar feliz.... E isso que a mídia diz... algo está errado comigo se a felicidade não me rodeia desde a manhã como no comercial de margarina culminando a noite, num encontro super glamouroso, aonde o homem virá buscar a mocinha, ele com o ultimo modelo de carro poderoso e ela magra, com os cabelos esvoaçando descendo as escadas e pronta para o amor....
Por outro lado, se desejo uma vida mais simples, se desejo cuidar, proteger, viver a ternura, isso então é um motivo maior ainda para eu ir em busca de ajuda... estou alucinando... afinal o mundo não mais assim.
Hoje tudo precisa ser radical, os esportes, a riqueza, a beleza, a magreza, a inteligência... Os “médios” não tem mais lugar no mundo globalizado? O amor ficou reservado aos super homens e mulheres?
Preciso ser o melhor, esse é o paradigma da atualidade. Infelizmente esse é um projeto inviável, já que sendo melhor numa coisa, não serei em outra, e se for hoje, não o serei mais amanha. Mas será que não sendo o melhor em tudo, mereço ser amado? Mereço amar como nos comerciais e na novela da oito? Afinal se não for igual a novela desqualifica a mim e ao objeto de amor escolhido.
As antigas “mocinhas casadouras” e os bons moços trabalhadores e chefes de família foram substituídos pelos atletas existenciais em busca da medalha de ser o melhor. E ser o melhor implica em Ser e Ter o relacionamento mostrado nos comerciais, de preferencia num iate em alto mar, turbulento, mas sem enjoar..
A busca desenfreada da posição de superioridade em relação ao outro, provoca, alem do desencontro, uma tremenda indigestão narcísica no sujeito globalizado, cujo desejo continua a ser o desejo do outro. Todos desejam ainda ser importantes, queridos, amados e desejados como foram um dia pela sua mãe real ou fantasmática.
Fala-se em um neo narcisimo próprio dessa época, que instaura um culto pelos corpos cuidados e uniformizados num mesmo padrão de beleza. Há prevalência da imagem e da aparência, talvez haja também mais intercâmbio de imagens do que de pensamentos e palavras.
O risco ai reside na convergência entre o narcisismo e a pulsão de morte. Narciso morre ao entregar-se fascinado a seu próprio reflexo, a pretensão narcísica da coincidência absoluta com o ideal, para a psicanálise implica a morte do sujeito desejante
Vemos hoje os chamados transtornos narcísicos da personalidade, esse quadro se caracteriza por sintomas transitórios como sentimentos de vazio e depressão sutis, embotamento afetivo e passividade, manifestos ou encobertos, tendências perversas e incapacidade para formar relações significativas.
As mudanças sofridas ao longo desses anos e as formas que assumem essas relações na atualidade fazem pensar num narcisismo frio, que provoca o esvaziamento dos vínculos.
Como diz o psicanalista lacaniano Jorge Forbes:
“A sociedade globalizada paradoxalmente conduziu o homem a ser o único responsável por si mesmo.” A solidão ronda e as escolhas sob o impacto da publicidade, numa busca sofrega de sucesso, pesam cada vez mais nas costas de cada um. A frustração com o que se alcança faz permanente a insatisfação e revela o sentimento de incapacidade de se apontar diretrizes para a própria vida
- Você quer o que deseja?
Segundo Jorge Forbes:
- “Você quer o que deseja? alerta para o fato da passagem de época, da era pós industrial à era atual da globalização, na qual nenhum padrão universal sobrevive e na qual mais do que antes, fica evidente a distância entre eu e o mundo. Você quer o que deseja? Fala da angústia própria à decisão. Não que a decisão não seja arriscada e que não induza a perda. O mal chamado estresse, nada mais é do que a conseqüência do medo de decidir, que provoca o empanturramento das opções.”
Frente a esse quadro aparentemente desolador, me volto a Freud.
Diz Freud, devemos amar para não adoecermos.
O amor é destacado por Freud como uma das artes da vida, mais importantes na busca da felicidade e na evitacao do sofrimento, ao longo da existência humana.
Mas essa arte apresenta, entretanto uma dualidade, porque assim como aproxima o sujeito de tudo aquilo que ele mais deseja, o expõe as dores da dependência.
Como dizia Freud em mal estar da civilização.
-“Nunca estamos menos protegidos contra a infelicidade do que quando amamos, nunca mais infelizes e desvalidos do que quando temos perdido o objeto amado ou seu amor.”
Para a psicanálise, o amor é um conceito fundamental e um pilar da existência.
A referência à primeira relação amorosa, a que se da entre mãe e filho é a que da suporte e potência constitutiva a existência tanto biológica como psíquica da criança e constitui a base para todos os modelos ulteriores.
Freud, antes de 1914, remetia o narcisismo a uma idéia de perversão, ou mesmo de psicose quando fazia um equivalência entre neurose narcisica e psicose.
Porém a partir de 1914, Freud faz do narcisimo uma fase do desenvolvimento, uma forma de investimento pulsional necessário à subjetividade. Freud retira o narcisismo do status de vilão, tira-o da patologia, tornando - o um dado estrutural do sujeito.
Mais uma vez Freud choca a humanidade, já não bastou falar que somos todos perversos polimorfos, que não somos donos dos nossos atos, agora Freud diz que todos passamos pela etapa do narcisismo e que essa é fundamental e estruturante.
Em 1914 Freud afirma que, na conjuntura que se instala o narcisismo, abrem-se para o indivíduo duas possibilidades que se apresentam como uma alternativa - Ou o sujeito toma o outro (a mãe) como objeto de amor, ou toma a si mesmo. (como eu havia dito no inicio). Diz porem, que se a escolha do sujeito recair sobre ele mesmo, ou seja quando a retração libidinal sobre o eu, resultante dos conflitos no amor de objeto se torna maciça e exclusiva, nos impõem um sofrimento e uma ameaça...
Portanto o sujeito deverá escolher libidinalmente um outro como indício de saúde psíquica.
Narcisismo e amor de objeto, seria adversários clássicos que continuam a enfrentar –se em sucessivos rounds ao longo da historia.
Nossas pulsões querem experimentar todas as maneiras possíveis de felicidade, sendo a maior delas uma eterna paixão. Assim como no amor romântico, ainda queremos a eterna paixão.
Acontece que o amor romântico tinha por característica a impossibilidade da relação, como nos apresenta Shakespeare em Romeu e Julieta.
Hoje, temos o objeto de desejo mais a mão, podemos passar por cima de tudo que se dizia que era certo ao longo dos séculos;
Sexo só após o casamento,
Não desejaras a mulher do próximo...
E por ai afora...
Hoje passamos pos cima da lei do pai, em nome da suposta plenitude com o objeto amoroso. Passamos por cima da diferença de classes, de raças, de idades, de sexos.
Apesar dessa liberação pulsional, olhamos perplexos para a breve permanência desses mesmos relacionamentos, na maioria dos casos.
Apesar de todo o panorama que descrevi, aparentemente apontando para o narcisismo como fator de desencontro nas atuais relações conjugais cabe a pergunta;
Frente ao conceito freudiano de narcisismo, o que nos levaria a afirmar que o homem contemporâneo é narcísico e isso se reflete nas suas relações conjugais? O sujeito globalizado é predominantemente narcísico ou está ferido em seu narcisismo , fazendo com que sua libido sobre o outro se retaria pelo fato de achar que , se não for o melhor em todos os campos da existência, ou seja, se não for completo,será abandonado pelo cônjuge?
Creio que o homem de hoje, sangra uma profunda ferida narcísica.
Um homem solitário que quer deseperadamanete um encontro com o outro, mas paralisado diante da possibilidade de sofrer.
Quando o indivíduo investe tudo na sua imagem, como deve ser o outro para merecê-lo? Ou melhor, será que ele chega a ser tudo isso para merecer o amor do outro?
O drama hoje, é que ninguém tem o corpo ideal, a poupança ideal etc..
O ideal do homem globalizado é inatingível, como já havia dito no inicio desse trabalho.
O homem globalizado sofre uma profunda ferida narcísica que se reflete, tanto nas suas relações conjugais quanto na eclipse das mesmas.
Nos tempos de Freud, apesar de toda a repressão sexual, exigia-se menos dos indivíduos. Era-se ou não honesto, era-se ou não bonito, não havia essa exigência de ser o mais honesto, o mais bonito.
Na mudança de paradigma pela qual estamos passando , da era industrial para a era da informação, o sujeito acaba encontrando respostas inusitadas nesse período sem padrão, que chamamos em psicanálise de a época do OUTRO que não existe.
Apesar disso, Não creio que a globalização tenha modificado a constituição do sujeito. Não acredito que os bebes globalizados optem em massa , na etapa constitutiva do narcisismo , pela prevalência do amor narcísico ou amor a si mesmo. Somos sujeitos do inconsciente, estamos submetidos a ele, isso não mudou.
Acredito que estamos sim é perdidos e perplexos numa sociedade em que o nome do pai fracassa. Em que já não servem os modelos de nossos pais e avós.
Freud construiu uma teoria potente para o século xx. Ele nomeou o complexo de Édipo.
Sua estrutura é de uma simplicidade própria de um gênio.
No triângulo edipico Freud apontou para 3 vertentes.
Primeiramente estabeleceu um ponto ideal a ser conquistado, a mãe.
Depois um elemento com dupla função: a de impedimento e de condução, o pai.
E finalmente a pessoa desejosa de atingir a felicidade, o amor, devendo para isso passar pelo pai.
Freud interpretou magistralmente sua época. Revela- nos uma sociedade orientada verticalmente no amor ao pai,ou seja na sua regra aprendemos a compreender a família orientada pelo pátrio poder e todos os detalhes do nosso mundo afetivo: o nascimento, as fases da sexualidade infantil, o narcisismo, os fetiches, os amores e os ódios.
Esse raciocínio valido para a família é igualmente valido e facilmente transferível para a estrutura empresarial , política , econômica , sempre da era industrial.Nesse formato constituem-se as empresas hierárquicas, as forças armadas, a religião etc...
A globalização por sua vez é horizontal. Ela não responde a supremacia do pai e dos seus representantes políticos, empresariais ou religiosos.Estamos em um novo mundo, sem os representantes da verticalidade anterior.
Esse novo mundo para o qual estamos muito despreparados ,exige novas soluções.
Temos acompanhado tentativas inócuas de tratar esse novos fenômenos com antigos remédios e as conseqüências são duplamente tragicas.Primeiro porque não curam, segundo, porque fingem curar.
Os amores edípicos eram maniqueístas, cartesianos, estabelecendo o grupo dos “somos a favor” e dos “somos rebeldes”, dos bons e dos maus, dos mocinhos e dos bandidos.
As relações conjugais da globalização fogem ao cartesianismo das identificações do bem e do mal , estabelecendo o amor na diferença e a responsabilidade na escolha.
Na época de Freud o amor ao outro era da ordem do reasseguramento narcísico que um oferecia ao outro, mesmo quando a relação já estava desgastada.. Na verticalidade social, o até que a morte os separe prevalecia nos casamentos independententemente da satisfação pessoal de cada um dos membros do casal.
Na horizontalidade atual, deseja-se conjugalmente um outro que provoque, que instigue, que entusiasme, que divirta, que incite.
Saímos de uma época em que queríamos facilitar a aprendizagem e entramos na época do aprender a desaprender, a suportar a falha no saber e o risco dela decorrente.
Não desaprendemos a amar na globalização, não estamos feito Narciso olhando para nosso reflexo na água , queremos e muito o olhar do outro.
Estamos na época do afeto de risco. Do afeto da criação e da invenção. Na época do novo amor.
A forma de um sintoma se adapta ao relevo social de uma época.
Temos que correr os riscos e viver nossa singularidade ou seja, nos responsabilizar pelos nossos sintomas, pela nossa maneira de lidar com os afetos.
Não podemos culpar o narcisismo pelo fracasso das relações conjugais na época globalizada.
Não tenho nenhuma formula mágica que aponte para solução na relações amorosas atuais.
Mas sei, que em todos os tempo, do jovem ao velho, o encontro amoroso, é vivido fora do mundo. Amantes são cúmplices que fazem os outros se sentirem excluídos.
A sociedade em geral, reage às expressões amorosas, basta olharmos para as corporações- indústrias, empresas, que não aceitam que seus funcionários namorem.Quando isso ocorre tem de ir embora. Como não dá para mandar todo mundo expulsa-se o amor, considerando-o ridículo.
O amor , aquela diferença que a comunidade não suports, acaba sendo tachado de ridículo.
Em qualquer nova forma de amar, coletivamente aceita, não se extinguirá o ridículo do amor. É preciso suportar o ridículo do amor se não quiser ser ridículo.
Fugir do ridículo do amor , acaba por nos transformar em ridículos.
Termino com o poeta Fernado Pessoa, que sob o heterônimo Álvaro de Campos escreveu:
Todas as cartas de amor são
Ridículas
Não seriam cartas de amor se não
Fossem ridículas
(...) Mas afinal
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Anna Burg